Francisco Maringelli
Descontando a possibilidade de uma visão totalizadora da
produção gráfica, seja de seus espaços de produção ou de exposição, esboço aqui
um recorte de aspectos relacionados à xilogravura, especialmente no contexto
das cidades de São Paulo e São José dos Campos, mas no alcance de meu olhar incluo
também as demais cidades que participam do projeto VI(VER) diálogo gráfico: Guarulhos, Atibaia, Jundiaí, Santos,
Campinas, São Caetano do Sul e Litoral Norte.
Tendo a xilogravura como fulcro, adoto o conceito de gravura em
relevo, que reúne em si todas as variantes de matrizes empregadas: linóleo,
solados e mantas de borracha, mdf , duratex, etc, as quais muitas vezes
combinam-se na vertente policromática.
Circulando pelos espaços de produção – faculdades, cursos ,
oficinas – cujas premissas , duração e expectativas diferem muito entre si,
prevalece, via de regra, uma abordagem introdutória aos rudimentos da técnica,
complementada por uma visada retrospectiva da história da gravura, que abarca
também a variegada produção recente. Nota-se, porém, que nas estratégias de aula não se limitam a
efetivar uma sequência programada, pura e simplesmente, pois visam também incorporar
inquietações pessoais que o orientador traduz para o âmbito de interesse
coletivo. As características específicas das vivências nos ateliês-livres
coletivos tendem a fundir e a amadurecer as experimentações de um modo mais
orgânico e rápido, pois todos os presentes nesses espaços estão fortemente
imbuídos do desejo de aquisição de um domínio técnico (sem o qual uma gravura
não se sustenta), empreendendo uma pesquisa de seu potencial de expressão
poética.
Focada a gravura em relevo em termos de imagem, algumas
constantes podem ser assinaladas: uma figuração que atesta a persistência dos gêneros
e proposições de fusão entre estes mesmos gêneros. Dentro da abordagem abstrata
surgem os desdobramentos das vertentes construtivas, da geometria traduzida em
ornamentação, da abstração que registra mais cruamente o ato de gravar.
Outras visadas associadas tanto à figuração quanto à abstração,
de tal modo reiteradas, permitem-nos colocá-las em destaque; o letrismo, a
tipografia, sejam portadores ou não de conteúdos poéticos, ou agenciados como
elemento componente da arquitetura gráfica; a influência da fotografia e das
imagens derivadas da comunicação de massas, das artes gráficas industriais. Mesmo
dentro desse recorte parcial temos, portanto, um amplo espectro de signos
visuais, contemplando também a inclusão da cor, fruto talvez da revalorização
da linguagem pictórica como um veículo de expressão contemporânea.
Elencamos aqui alguns canais voltados para a etapa subsequente,
de veiculação, modos de apresentação e recepção deste largo volume de produção
de gravura em relevo, associada ou não a outras modalidades de gravura. As
formas clássicas de veiculação e venda de estampas, de gravuras, apresentadas
sob a forma de estampas avulsas, seriadas ou não, assim como os álbuns de
gravura, às vezes em parceria com o texto literário, são muito presentes no
contexto atual do circuito de arte. Mas grande relevância adquire também o
livro de artista, com imagens estampadas em relevo, ou em arranjos em que as
gravuras em relevo contrastam com os recursos e intuições poéticas tomados de
outras técnicas de reprodução da imagem.
As exposições de estampas, álbuns, livros, tem seu habitat
natural no interior dos espaços expositivos que tanto têm frutificado
atualmente, dentre os quais podemos destacar a Graphias Casa da Gravura, a Galeria
Gravura Brasileira, a Oficina Cultural Oswald de Andrade, o Gabinete de Gravura
da Pinacoteca do Estado de São Paulo, entre outros.
O complemento de toda essa ação direcionada para espaços
expositivos formais efetiva-se nas intervenções gráficas de lambe-lambe ao
longo dos muros de algumas vias de São Paulo, nas paredes e tetos externos de
instituições culturais, em parques como o Fernando Costa (Água Branca), ações
pautadas pela arregimentação coletiva que dispensa a evidência das assinaturas
pessoais, privilegiando assim o corpo que encarna o grupo.
A assinatura coletiva também constitui a essência das ações
interativas com o público, materializadas na distribuição de volantes
realizados em forma de gravura, no calçadão das metrópoles. Nas intervenções
dos coletivos no palco da cidade podemos encontrar a presença de todos os
signos acima elencados, destacando-se uma clara tentativa de fazer com que
signos e figuras extraídos do contexto urbano sejam repensados, repropostos
– estratégia para que se reflita sobre
organização espacial da urbe e a valoração de indivíduos e objetos no âmbito da
cidade.
O projeto VI(VER) diálogo
gráfico segue essa trilha de atuação
colaborativa no espaço público, promovendo em diversos municípios intervenções
de lambe-lambe. O diálogo artístico extravasa dessa forma os limites do
contexto expositivo, ocupa espaços no dia-a-dia da cidade e amplia assim, de
forma sensível, seu alcance e reverberação, potencializando a vocação
multiplicadora que a linguagem da gravura traz desde sua origem.
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