Augusto Sampaio
Entre observar, selecionar e registrar o observado, em ato
contínuo, há certa descontinuidade.
Entre lá e aqui:
descontinuidade, distância e defasagem.
Na alternância do olhar e do
figurar, em ato contínuo, como afirmado, há frestas, lapsos e intervalos.
Pois o fato e a figura se
aproximam, mas não se sobrepõem: nunca coincidem.
A figura é a ausência do fato.
É presença de quem o observou e o registrou.
O fato: corriqueiro e familiar
ou inesperado e imprevisível. Em sua totalidade, inapreensível.
A figura: incessante e
inesgotável.
Na alternância do olhar e do
figurar manifesta-se a presença dos
enfrentamentos, dos anseios, das indagações, da memória, da fantasia, das
experimentações, enfim, configura-se a aventura de cada um.
Aqui, a presença das aventuras
de cada um dos participantes do projeto VI(VER)
diálogo gráfico.
Que também se manifestam sobre
este encontro:
-
Estabelecer diálogos.
-
Somar.
- Uma oportunidade de troca e
de experimentações.
-
Manter a individualidade de criação de cada integrante, com força de equipe
para resultar a criação de algo maior. A soma é importante. Trata-se de
compartilhar a visão, o tempo e a materialidade em função do todo.
- Trocar experiências
desenvolvidas com a produção e a pesquisa gráfica.
-
Buscar ampliar contatos e afinidades.
- Aproximar as pessoas e
mostrar a possibilidade da expressão pela arte como algo acessível de forma a
desmistificar a fruição do objeto artístico.
-
Neste projeto cada ilha (obra) possui a sua própria topografia, flora e fauna.
Porém, unidos pela ideia de arquipélago como conjunto de ilhas, todas as obras são
“ilhas” na medida em que discutem as diversas possibilidades das linguagens
gráficas.
Em itinerância por diversas
cidades do interior e do litoral do estado de São Paulo, e também pela capital,
esta mostra apresenta grande diversidade de temas, de procedimentos e de
materiais empreendidos na elaboração dos trabalhos.
A cidade destaca-se como
provocação para a realização de diversas obras gráficas e também como anteparo
para ações diretas em grande escala (sobre muros e paredes e integrada a
equipamentos urbanos).
A cidade, permeada de
sentimentos ambivalentes, ora apresenta-se
como personagem, ora como manancial de onde são extraídos: a cena, o cenário, a multidão, o homem de longe e o
homem de perto, aqueles que passam e aqueles que posam, os automóveis e os
aviões, o construído e o arruinado, o visto e o imaginado, o vivido e o
sonhado.
Da cidade derivam simbolizações
do homem urbano, alusões ao espaço arquitetônico ou anotações de acento lírico.
Por vezes refratária à
fantasia, ela acolhe, em alguns momentos, figuras imaginárias.
E é a cidade que deflagra
transformações na produção do mesmo autor quando este opera diretamente em seus
espaços.
Obras gráficas originais, como
desenhos e gravuras, transformam-se por meio de outras técnicas de reprodução para
conquistar grandes formatações e serem fixadas diretamente em muros e paredes
externas.
As pinturas também se
redimensionam no enfrentamento direto de realização nos espaços públicos: a
escala, a ação contínua, a aspereza do suporte, o sol, o vento e o passante a
testemunhar a dinâmica própria do recolhimento de um ateliê.
Embora não haja uma atitude
política programada pelos diferentes núcleos participantes desta exposição, a
cidade também enseja a elaboração de imagens de tom crítico e corrosivo.
Em contraponto, também há obras
que abordam outras dinâmicas e modalidades do perceber e do fazer.
Além de integrar conjuntos da
cena urbana, a figura humana se destaca como tema relevante em retratos e
autorretratos.
Além disso, os trabalhos em
exposição conjugam diferentes técnicas e procedimentos de elaboração e indicam
forte apreço pela fatura manual. A fotografia e as imagens digitais comparecem
como integrantes de operações onde a percepção direta do assunto e o dinamismo
gestual ancoram a feitura da imagem.
VI(VER) diálogo
gráfico – denominação
deste projeto – bem indica a presença predominante de técnicas gráficas pelos
participantes: a gravura em metal, a xilogravura, a serigrafia e também a
colagem, a aquarela e o desenho. Este último elaborado em amplo espectro de
materiais e procedimentos.
Some-se a isso, a livre
combinação de técnicas, materiais e suportes.
E o valor do desenho, como fio
condutor de discussão e de reflexão, também reverbera nos depoimentos dos
participantes:
-
O desenho nos permite viver as experiências gráficas. Um desenho iniciado a
partir de um ponto que ao caminhar cria uma linha a percorrer diversos
caminhos.
-
A cada caminho uma descoberta que de individual logo passa à coletiva.
- Cruzamentos.
-
É a ação do lúdico que move o conjunto.
- Trama de linhas. Lápis. Pena.
Pensamento. Linguagem. Amplitude.
A prática que se alterna com
discussões caracteriza a dinâmica de encontros regulares dos diferentes núcleos
participantes.
Em São Paulo, o núcleo encontra
em Lúcia Neto e Hélio Schonmann os mentores de um grupo que desde 2005 promove
discussões e debates sobre a produção de seus integrantes.
Este núcleo somou à dinâmica de
encontros a realização de exposições e de intervenções urbanas, às quais se
integraram outros participantes.
Assim, ampliaram a perspectiva
de ação e afirmaram a insubordinação à estreiteza que as galerias de arte tem
proporcionado à produção artística e, especialmente, à produção gráfica.
Deste núcleo irradiou o convite
para a constituição da rede que ora se trama na extensa programação de
exposições que acontecerá durante todo o ano de 2014.
E os participantes acrescentam
a estas considerações:
- A Arte só pode assumir sua
relevância como fator cultural na medida em que houver contato e contaminação
entre os que a produzem.
-
Testemunhar. Tomar consciência.
- Ser volante.
-
Levar e inflar a apreciação cultural à reflexão da Arte enquanto um meio
socioeducativo insubstituível.
- Construir um olhar afinado
com o meio e com a história.
-
E qual o papel das linguagens gráficas na contemporaneidade?
Que esta irradiação entre os
participantes do VI(VER) diálogo gráfico
figure como constelação e
proporcione, ao observador incauto e inquieto, novas trocas e fecundos
diálogos.
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